segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Supremo Tribunal Federal se manifesta sobre o fornecimento de remédios pelo Estado

fonte: LGF

Com base em informações coletadas na audiência pública sobre saúde, realizada no Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente da Corte, ministro Gilmar Mendes, entendeu que medicamentos requeridos para tratamento de saúde devem ser fornecidos pelo Estado. Esta é a primeira vez que o Supremo utiliza subsídios da audiência para fixar orientações sobre a questão.

Os dados foram utilizados na análise de Suspensões de Tutela Antecipada (STAs). As STAs 175 e 178 foram formuladas, respectivamente, pela União e pelo município de Fortaleza para a suspensão de ato do Tribunal Regional Federal da 5ª Região que determinou à União, ao Estado do Ceará e ao município de Fortaleza o fornecimento do medicamento denominado Zavesca (Miglustat), em favor de C.A.C.N.

Já na STA 244, o estado do Paraná pediu a suspensão da decisão da 1ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba, que determinou o fornecimento do medicamento Naglazyme (Galsulfase) por tempo indeterminado.

Decisão

Após ouvir os depoimentos prestados na audiência pública convocada pela Presidência do STF para a participação dos diversos setores da sociedade envolvidos no tema, o ministro Gilmar Mendes entendeu ser necessário redimensionar a questão da judicialização do direito à saúde no Brasil. Para isso, destacou pontos fundamentais a serem observados na apreciação judicial das demandas de saúde, na tentativa de construir critérios ou parâmetros de decisão.

Segundo o ministro, deve ser considerada a existência, ou não, de política estatal que abranja a prestação de saúde pleiteada pela parte. Para ele, ao deferir uma prestação de saúde incluída entre as políticas sociais e econômicas formuladas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o Judiciário não está criando política pública, mas apenas determinando o seu cumprimento. “Nesses casos, a existência de um direito subjetivo público a determinada política pública de saúde parece ser evidente”, entendeu Mendes.

De acordo com o presidente do STF, “se a prestação de saúde pleiteada não estiver entre as políticas do SUS, é imprescindível distinguir se a não prestação decorre de uma omissão legislativa ou administrativa, de uma decisão administrativa de não fornecê-la ou de uma vedação legal à sua dispensação”. Ele observou a necessidade de registro do medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), além da exigência de exame judicial das razões que levaram o SUS a não fornecer a prestação desejada.

Tratamento diverso do SUS

O ministro salientou que obrigar a rede pública a financiar toda e qualquer ação e prestação de saúde geraria grave lesão à ordem administrativa e levaria ao comprometimento do SUS, “de modo a prejudicar ainda mais o atendimento médico da parcela da população mais necessitada”. Dessa forma, ele considerou que deverá ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, “sempre que não for comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente”.

Entretanto, o presidente destacou que essa conclusão não afasta a possibilidade de o Poder Judiciário, ou a própria Administração, decidir que medida diferente da custeada pelo SUS deve ser fornecida a determinada pessoa que, por razões específicas do seu organismo, comprove que o tratamento fornecido não é eficaz no seu caso. “Inclusive, como ressaltado pelo próprio Ministro da Saúde na Audiência Pública, há necessidade de revisão periódica dos protocolos existentes e de elaboração de novos protocolos. Assim, não se pode afirmar que os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do SUS são inquestionáveis, o que permite sua contestação judicial”, finalizou.

Conclusão

A partir dessas considerações e ao verificar que o medicamento está registrado na ANVISA, o ministro Gilmar Mendes concluiu que, nos casos em questão, as provas juntadas atestam que os medicamentos são necessários para o tratamento das respectivas patologias. Na hipótese específica da STA 244, Mendes afirmou que “a terapia de reposição enzimática (Naglazyne) constitui o único tratamento eficaz para a doença, e é o único tratamento que pode salvar o paciente de complicações graves”.

De acordo com ele, os entes federados não teriam comprovado ocorrência de grave lesão à ordem, à saúde e à economia públicas capaz de justificar a excepcionalidade da suspensão de tutela.

NOTAS DA REDAÇÃO

O fornecimento de medicamentos pelo Poder Público é assunto que atine ao estudo dos direitos sociais e, para tanto, far-se-á uma pequena exposição sobre a matéria.

No que pertine aos direitos sociais, nas lições de Marcelo Novelino, vige a “textura aberta dos direitos sociais”, pelo que se entende que estes direitos permitem uma concretização posterior de seus preceitos, de acordo com a vontade da maioria. Ou seja, no que respeita aos direitos sociais não é possível afirmar que haja uma regra absoluta na sua efetivação, mas sim, que envolvem e se consubstanciam em bens que serão postos à disposição, levando-se em consideração uma série de fatores que permeiam a realidade.

Assim o é, porque os direitos sociais estão dispostos em normas de eficácia limitada (que são aquelas normas que não têm o condão de produzir seus efeitos de imediato) de princípio programático (que veiculam programas a serem implementados pelo Estado). Veja-se, a título de demonstração, o disposto no artigo 196, da Carta Magna, in verbis:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Como dito, seguindo-se a orientação do que prescreve a textura aberta dos direitos sociais, a concretização destes direitos é posterior, o que não significa que não deva haver prioridade nessa implementação e isso definir-se-á de acordo com a vontade da maioria, representada por aqueles que foram escolhidos pela maioria: Legislativo e Executivo. Sendo assim, a concretização dos direitos sociais cabe, prioritariamente, aos Poderes Legislativo e Executivo.

A discussão que surge, então, dessas conclusões é a seguinte: se a saúde, assim como outros direitos sociais, estão incluídos naquele âmbito de direitos que devem ser implementados, prioritariamente, pelos Poderes Executivo e Legislativo, mediante programas de política pública, qual seria a legitimidade de decisões judiciais ordenando o fornecimento de medicamentos a determinadas pessoas?

É essa intervenção que se denomina (nos termos da notícia transcrita que descreve a decisão do Ministro Gilmar Mendes) de judicialização das relações políticas e sociais, ou seja, a este movimento de o Judiciário impor ao Estado Administração a concretização de direitos sociais vem causando debates a ponto de a matéria ter chegado ao Supremo.

Neste sentido, o presidente do STF entendeu que medicamentos requeridos para tratamento de saúde devem ser fornecidos, sim, pelo Estado. E mais, na decisão tentou estabelecer critérios que devem ser observados pelo Judiciário ao apreciar questões semelhantes, quais sejam:

- deve ser considerada a existência, ou não, de política estatal que abranja a prestação de saúde pleiteada pela parte;

- é necessário que haja registro do medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e

- é exigido exame judicial das razões que levaram o SUS a não fornecer a prestação desejada.

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